O Cinema e a experiência
do mundo
Por Augusto M. Seabra
O cinema é um facto corrente, até
cada vez mais, com o que isso também supõe de
depreciação. A crescente ordem doméstica
de consumo de filmes em suportes que já não
a da projecção, retirou a recepção
cinematográfica do espaço público e colectivo
e tornou-a ainda mais sedentária, quando os pressupostos
da arte cinematográfica a faziam potencialmente de
todas a mais nómada, aquela que permitiria conhecer
maior diversidade de culturas e imaginários. Mas este
pode ser também o quadro para repensar radicalmente
a experiência cinematográfica como modo de conhecimento.
Augusto M. Seabra
Crítico. Membro do júri de vários festivais
internacionais de cinema. Apresentou pela primeira vez em
Portugal autores como Takeshi Kitano, Wong Kar-Wai, Edward
Yang, Alexander Sokurov, Annaud Despelechin ou Todd Haynes.
Na Culturgest comissariou a programação de cinema
dos Festivais Extremos do Mundo, Europa
e Comunidade. No DocLisboa 2005, foi comissário
do programa Histórias da Europa: nacionalismos,
identidades e fronteiras.
1 de Fevereiro
O que é o cinema? ou a infindável
questão
Um dos primeiros espectadores, Gorki, falava da estranheza
deste mundo, do reino das sombras
não a vida, mas a sombra da vida, não
o movimento da vida, mas uma espécie de espectro mudo.
Quando o cinema começou a ser também considerado
no campo da teoria estética, um Panofsky não
hesitou em considerá-lo como a realidade física
enquanto tal. Será a verdade a 24 fotogramas
por segundo como pretendeu Godard? Imaginário
e realismo, os termos de todo um debate de décadas,
sobreviverão às tecnologias digitais?
8 de Fevereiro
A hipótese do espectador
A consagração da arte cinematográfica
passou pelo estatuto de autores. Mas para além
das diversas apreciações, com base nas autorias,
nos códigos ou nos modos de produção,
há uma hipótese não menos importante
de abordagem: como se constituiu o sujeito da percepção
cinematográfica, o que é o espectador de cinema?
14 de Fevereiro
O sistema-mundo do cinema
O cinema foi não apenas a primeira arte e/ou indústria
cultural mas mesmo a primeira indústria que se erigiu
à escala planetária, com um centro planetário,
Hollywood. A possibilidade de conhecimento foi estandardizada
e zonas regionais de influências constituídas
e/ou marginalizadas, com o que isso supôs de normas
e de quadros restritos de recepção.
22 de Fevereiro
O desastre do sensível e modos de conhecimentos
A circulação incessante das imagens, exigindo
um hiper-realismo para se distinguirem no fluxo,
suscitou um paradoxo: tudo pode estar à vista, mas
a sensibilidade aos modos de visibilidade cinematográfica
foi radicalmente depreciada. E, no entanto, a própria
política da centralização dos fluxos
de informação e formatação tanto
mais solicita uma outra hipótese: uma geopolítica
da percepção e a possibilidade de reconsiderar
o cinema como experiência do mundo e modo de conhecimento.
The fact that films are more and more intended
for domestic consumption, in other media besides projection
detaches cinematic reception from a public and collective
space. It renders film more sedentary, whereas the prepositions
of film make it the most potentially nomadic art of all, the
one which would allow us to become acquainted with a broader
diversity of cultures and imaginary universes of references.
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