A partir de excertos de Os Cantos de Maldoror, obra-prima literária que Isidore Ducasse, sob o pseudónimo de Conde Lautréamont, publicou em 1870, os Mão Morta, com a ajuda de alguns cúmplices, estruturaram um espectáculo singular em que a música brinca com o teatro, o vídeo e a declamação.
Um espectáculo em que se sucedem as vozes do herói Maldoror ou do narrador Lautréamont, algumas imagens das muitas que povoam o livro, e em que se sucedem canções, sem necessidade de um epílogo ou de uma linearidade narrativa, que também não existem na obra. A coerência do conjunto e a progressão do espectáculo são obtidas pela sua transposição para um universo infantil, de quarto de brinquedos – o palco é o espaço em que a criança brinca, onde cria e encarna personagens e histórias dando livre curso à sua imaginação.
À semelhança da técnica narrativa presente nos Cantos, a criança mistura em si as vozes de autor, narrador e personagem, criando, interpretando e fazendo interpretar aos brinquedos/artefactos que manipula as visões e as histórias retiradas das páginas de Isadore Ducasse, dando-lhes tridimensionalidade e visibilidade plástica. São esses quadros/excertos que se sucedem como canções, encadeados uns nos outros, com recurso à manipulação vídeo e à representação, que fazem o espectáculo.
Como um mergulho no mundo terrível de Maldoror, com as caudas de peixes voadores, os polvos alados, o homem com cabeça de pelicano, o cisne carregando uma bigorna, os acoplamentos horrorosos, os naufrágios, as violações, os combates sem tréguas…
Sai-se deste mundo por uma intervenção exterior, como quem acorda no meio de um pesadelo, como a criança que é chamada para o jantar a meio da brincadeira – sem epílogo, sem conclusão, sem continuação!
Os Mão Morta foram fundados em Braga, em Novembro de 1984, por Joaquim Pinto, Miguel Pedro e Adolfo Luxúria Canibal. Ao longo de mais de 23 anos de carreira tiveram diversas formações, mantendo-se apenas, do grupo fundador, Miguel Pedro e Luxúria Canibal. Banda de culto, gravou 11 álbuns, deu centenas de concertos, alguns dos quais ficaram na história do rock nacional, e é desde o início marcada pela personalidade carismática do seu líder Luxúria Canibal. Em 1997 o Centro Cultural de Belém encomendou-lhes um espectáculo a partir de poemas de Heiner Müller que foi um grande sucesso e deu origem ao CD Müller no Hotel Hessischer Hof. Dez anos depois, o Theatro Circo de Braga desafiou-os a construir o espectáculo baseado no livro de Lautréamont, um clássico absoluto que os surrealistas tiraram do esquecimento. Estreado em Braga em Maio de 2007, este espectáculo fascinante é apresentado esta noite em Lisboa pela Culturgest.
Selecção de textos e tradução Adolfo Luxúria Canibal
Música Miguel Pedro e António Rafael / Mão Morta
Encenação António Durães
Cenografia Pedro Tudela
Imagens e manipulação vídeo Nuno Tudela
Figurinos Cláudia Ribeiro
Desenho de luzes Manuel Antunes
Based on excerpts from The Songs of Maldoror by Isidore Ducasse, Mão Morta create a singular mix of music, theatre and video.
The songs are transposed to a child’s playroom, where Maldoror gives free rein to his imagination.
The child combines the voices of author, narrator and character, interpreting the toys in the room to provide a third dimension. Music is interwoven with video manipulation and acting to create Maldoror’s terrible world.
Mão Morta were formed in 1984. They are a cult band, recording 11 albums. Some of their concerts have become rock legends in Portugal. Last year they were asked to create a show based on Maldoror, which they first performed in Braga.
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