A primeira leitura do libreto Outro Fim de José Maria Vieira Mendes mostrou-me antes de mais nada três coisas: que as palavras tinham uma plasticidade muito adequada a uma ópera, que a acção dramática se desenrolava com o ritmo de uma peça de teatro e, finalmente, que as personagens eram ricas, tinham espessura e complexidade psicológica. Que mais se pode pedir a um libreto?
Pairam por cima deste texto – e desta ópera – os dramas familiares, as histórias de vida dos que, face a um quotidiano pouco exaltante, acabam por chegar às tragédias. O meu trabalho de composição segue o meu procedimento habitual, ou seja, começa pelo texto, pela interpretação das situações e pela consideração do seu potencial. Os materiais musicais que vão sendo criados deste modo são sujeitos a transformações e derivações de si próprios conforme o desenrolar da acção e a contingência do acto criativo. A divisão do palco em três lugares da acção visíveis em simultâneo, sendo um deles um café, motivou a escolha de divisões entre a localização principal dos músicos no fosso e de pequenos grupos instrumentais on stage em certos momentos.
António Pinho Vargas
Junho de 2008
Havia a memória de um filme. Uma memória que não era muito mais nítida que a imagem da sobreposição de duas caras, duas películas justapostas a encaixarem-se. Era também a ideia de máscara, era a palavra "persona", era as duas mulheres, as identidades a confundirem-se. Era um reforço da ficção, uma demonstração da ficção.
Para refrescar a memória não revi o filme, mas li o livro. Roubei umas frases que já não sei se ficaram e interessei-me quase em simultâneo por uma antiga ideia de ópera. E depois fui começando até acabar num libreto de Série B. Ou seja, uma história operática, com todos os ingredientes – trágica, romântica, desesperada – mas em tempo reduzido. Concentrada e apertada. A princípio ainda com espaço para todos, mas no final já só com espaço para poucos.
E por culpa disto, por falta de espaço e também de tempo, as identidades, lá está, misturam-se, sobrepõem-se e atraem-se como o mercúrio. Os muros apertam, as portas fecham-se, as "personas" são obrigadas a encolher, a juntar-se aos outros até deixarem de ser. Ou até se mostrarem – e este é um vício que ainda não sou capaz de abandonar – gente de um autor, coisa de papel, fina película sem carne nem osso.
José Maria Vieira Mendes
Direcção musical Cesário Costa
Encenação e espaço cénico André e. Teodósio em parceria com Vasco Araújo
Iluminação Daniel Worm D’Assumpção
Figurinos Mariana Sá Nogueira
Produção Joana Dilão
Intérpretes Mãe: Larissa Savchenko; Mulher: Sónia Alcobaça; Cunhada: Madalena Boléo; Homem: Luís Rodrigues; Irmão: Mário Alves.
Elementos da Orquestra Sinfónica Portuguesa
Co-produção Teatro Nacional de São Carlos, Culturgest
Encomenda da Culturgest
The libretto for Outro Fim by José Maria Vieira Mendes has all the elasticity required for opera, the dramatic action proceeds at the place of a play, and the characters are well-rounded. It is a family drama covering the life stories of ordinary people whose lives turn to tragedy. It provided the starting point for António Pinho Vargas’ composition, the stage being divided into three sections with action taking place simultaneously.
The libretto was inspired by a film, but rather than re-watch the film Mendes decided to read the book, which resulted in an operatic libretto containing tragedy, romance and despair, but concentrated in time – a distilled essence.
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