Provavelmente o mais influente dos guitarristas que contribuíram para o avanço no vocabulário do blues e do rock, a partir do início da década de 1990, Bill Orcutt, depois de um hiato de uma dúzia de anos, lançou no final de 2009 um documento chave para a progressão das possibilidades do instrumento, o LP a solo A New Way To Pay Old Debts, editado pela Palilalia Records.
Mestre da guitarra eléctrica, Orcutt fundou em Miami juntamente com Adris Hoyos (bateria e voz) os Harry Pussy (1992-1997) a que mais tarde se juntaram, como segundo guitarrista, Mark Feehan, substituído no final de 1996 por Dan Hosker. Banda explosiva, entre o noise rock e o free jazz, a que juntava o punk hardcore e um conhecimento rico da história das raízes, mas também das margens, destas músicas. As suas canções eram curtas, agressivas, não raras vezes violentas.
A New Way To Pay Old Debts marca a estreia do guitarrista no universo acústico. Utiliza uma guitarra que tem desde criança, que se foi partindo e restaurando ao longo do tempo, ligada a um amplificador encontrado na rua nos anos 1980 e a um microfone de guitarra, inspirando-se no som de Elmore James, celebrado músico de blues eléctrico norte-americano.
Orcutt usa apenas quatro das seis cordas tradicionalmente utilizadas na guitarra, trabalhando o volume e intensidade do som e jogando com a hipersensibilidade do instrumento, tocado com fogo e ímpeto, por vezes parecendo que a sua madeira vai estalar ao ponto de estar prestes a partir-se por completo.
Para além das referências que já trazia dos Harry Pussy, o Bill Orcutt de hoje conjuga várias heranças musicais, dos delta blues de Mississipi Fred McDowell, passando por fontes aparentemente tão díspares como Derek Bailey, Glenn Gould, Cecil Taylor ou o flamenco de Ramon Montoya. Este cruzamento de tradições, ideias, vocabulários, permite-lhe construir um discurso que inclui uma série de elementos antes encarados como contraditórios segundo as normas da improvisação ou da composição instantânea.
Abraçando o atonalismo, Orcutt não deixa de ser melodicamente um músico afirmativo. Do ponto de vista rítmico trabalha de forma hipnótica, quase turbinada, sem por isso perder a capacidade de lidar com o espaço e o silêncio. A sua escrita, se assim lhe podemos chamar, é um ritual estruturado de forma tão invulgar quanto fluida, numa súmula de aglutinações técnicas e vocabulares, de onde nasce um novo e impressionante léxico musical.