Na evolução de um processo criativo, há um momento em que, depois de muito rasurar e corrigir e melhorar, se descobre que se chegou ao final do rascunho, ou seja, está-se quase com a canção “fechada”. Fechada porque tomou enfim uma forma satisfatória, e aqui pressupõe-se um grau de exigência que nos satisfaça e nos contente.
Mesmo sabendo que até aos dias da gravação estará tudo sempre e ainda em aberto.
Achei que valia a pena partilhar com as pessoas, em primeiríssima mão, algumas dessas canções. Cantando-as e tocando-as, e conversando sobre a sua génese, a sua feitura, dos primeiros acordes ao final de rascunho.
E agregar às canções três ou quatro poemas d’O Sangue Por Um Fio*, que tem temáticas de certo modo vizinhas, embora muito diferentes na forma.
E ainda, ampliando essa maneira de “mostrar”, incorporar no concerto outras canções das minhas várias décadas (ena!), em versões necessariamente diferentes, e falar também delas e dos seus porquês.
Será um concerto com muitas palavras e muita música, encenado e espontâneo, construído e imprevisível.
Terá uma imagem própria, e imagens a iluminarem toda a viagem.
Os músicos que me acompanham farão parte dela também. Em duo trio quarteto banda-toda. Iremos trocar ideias de “como melhor fazer”, eles que pensam de maneira complementar da minha.
Falou-se várias vezes aqui de contradições, e ainda bem.
É nesses contrastes e nessas convergências que se constrói a matéria em movimento, e as regras inventadas da matéria em movimento.
Final de rascunho.
Sérgio Godinho, Junho 2010
* O Sangue Por Um Fio – Poemas, ed. Assírio & Alvim, 2009