Em Lost Ride as figuras criadas por Sílvia Real confrontam-se com o espaço físico e psíquico que as constrange. Estão num espaço artificial e construído, sendo reforçada a ideia de fabricação. Este é um mundo em que já não é possível uma suposta “ordem natural das coisas”. O orgânico e o inorgânico hibridizam-se, devoram-se, deglutem-se. Lost Ride habita na tensão, na ilusão das dicotomias e sobre elas oferece a possibilidade de canibalismo. A proposta deste espectáculo implica o desvelar de estruturas contraditórias e uma aproximação às vidas psíquicas. E à sua ausência e condições de possibilidade.
As figurações em cena traduzem modos de estar progressivamente incompatíveis e precários na sua enunciação. Como se a definição das figurações implicasse forçosamente a incorporação do próprio contexto que a torna possível. Trata-se de habitar e não apenas de um modo de estar.
Esse habitar traduz-se no desfasamento, implicando a disparidade e o paradoxo entre sentir e exprimir. As sucessivas cenas revelam diferentes camadas, emocionais e físicas, que se ocultam e desocultam. As rupturas, a eclosão, o quebrar das superfícies acentuam a angústia do fim. Ou será que a angústia nos habita desde o princípio? Ou ainda que a angústia somos nós?
João Manuel de Oliveira
Lost Ride é um espectáculo dedicado à memória de Mónica Lapa.
Sílvia Real estudou dança clássica com Luna Andermatt. Estudou na London Contemporary Dance School e no Lee Strasberg Theatre Institute. Trabalhou como intérprete com João Fiadeiro, Vera Mantero, Miguel Pereira e Francisco Camacho. Em 1999, fundou com o músico Sérgio Pelágio as Produções Real Pelágio e juntos criaram a trilogia Casio Tone / Subtone / Tritone (apresentada integralmente na Culturgest em 2007) entre outros trabalhos. Recentemente destaca a criação de um espectáculo que dirigiu para a companhia Comédias do Minho.
Francisco Camacho estudou nas escolas da Companhia Nacional de Bailado e do Ballet Gulbenkian, estagiando neste último. Em Nova Iorque, estudou dança, teatro e voz, nomeadamente no Merce Cunningham Studio e no Lee Strasberg Theatre Institute. Destaca o trabalho com os coreógrafos Paula Massano, Meg Stuart, Alain Platel e Carlota Lagido. Desde 1988, tem criado regularmente espectáculos, com apresentações internacionais. É membro fundador de EIRA, a sua produtora executiva.