Quando canto também sonho; creio que estou a trabalhar, subterraneamente, na substituição de um medo, que é comum a todos, por uma esperança igualmente forte. Não me levem a mal.
Ao fundo do palco as cores primárias sucedem-se, entre nós a luz e a sombra, e o jogo sagrado de muitas vidas onde todos somos tudo e não somos nada.
No concerto – Contos de Fados – desejo um lugar de silêncio e revelação onde cada um por si, legitimamente, possa brincar consigo próprio às escondidas, imaginando no seu coração um esconderijo de ilusões e desilusões em desafio permanente, honesto e generoso.
Canto porque a vida me foi levando nessa direcção, mas como o vento norte, às arrecuas, sempre no sentido do Fado.
E canto – “Orfeu e Eurídice” – à Maria do Rosário Pedreira, e aos fadistas, e aos poetas: “mesmo que o saiba fechado / no silêncio mais profundo”.
E canto – “No Pó Que Ficou” –, do José Luis Gordo, a memória dos que se apaixonam, e dos que resistem, e dos que morrem: “no pó que ficou por lá / escrevi o teu nome ausente”.
E canto – “Que Amor É Este?” – o que não digo de ti, e de outros, e de ninguém : “Sobre o céu e o inferno / Diz-me tu o que não sei”.
E canto – “Medeia” – à Manuela de Freitas, e às mulheres, e a todos: “fiz do vazio pensamento / à espera de redenção”.
E canto – “Uma Outra Nuvem” – por mim como quem reza distraída, e pelo José Mário Branco, e pelo meu semelhante: “em que eu à força de aprender a amar / aprenda tudo sobre toda a gente”.
Aldina Duarte