A Minha Descoberta do Alentejo
Descobri o Alentejo na minha adolescência. O meu pai, originário da margem esquerda do Guadiana, queria muito que eu conhecesse a terra dos seus antepassados e o terreno fértil onde estava a nascer a «Reforma Agrária». Enviou-me para passar uma semana na casa de camponeses da Amieira, a aldeia de onde provinham os trabalhadores que cultivavam a terra na Quinta da Esperança, o monte onde ele tinha crescido, junto ao rio Ardila. Confesso que foi muito importante para mim ter vivido o quotidiano de uma família na Amieira, aos 12 anos. Senti na pele o abismo que existia entre o mundo cosmopolita em que eu tinha crescido primeiro no Brasil, depois em Paris, rodeado de exilados políticos, jornalistas e universitários, e o modo de vida pobre de uma pequena aldeia alentejana, onde toda a gente trabalhava no campo e, com sorte, aprendera a escrever o nome depois dos 40 anos.
Perturbou-me e comoveu-me a generosidade das pessoas que me ofereciam absolutamente tudo o que tinham, sem ter nada. Lembro que a casa de banho, recente e precária, ficava fora da casa. O duche era improvisado com uma mangueira de água fria. No primeiro dia devo ter comido frango porque era visita. Mas depois habituei-me à açorda de alho, algo que já conhecia da minha infância brasileira, nos dias em que a empregada nordestina, dava uma gargalhada e perguntava ao meu pai: «Hoje o Seu Miguel quer uma sopa de água?». Lá em casa, toda a gente se espantava com a delícia com que o meu pai comia aquela água fervida com alho, coentros e um ovo escalfado.
Depois voltei muitas vezes ao Alentejo. Rodei várias sequências dos meus documentários por lá (Outro País, Fleurette) e até filmei a quase totalidade da minha primeira ficção (Viagem a Portugal).
Ao mergulhar no Alentejo hoje, já em idade madura, reencontro pessoas de uma fé generosa e panteísta, por quem tenho imenso carinho. Sinto que, para eles, a Senhora de Guadalupe, os Reis Magos, Catarina Eufémia e os rebanhos de ovelhas que passeiam na planície são santos de um mesmo altar.
A respeito do cante, a história é muito simples: foi graças a um grupo de camponeses alentejanos reunidos em serenata, por baixo da janela do quarto onde a minha mãe dormia pela primeira vez, que o meu pai conseguiu convencê-la a deixar a França para casar com ele. Ao longo da vida, a minha mãe chorava sempre que ouvia cantares alentejanos numa taberna. Ela gostava muito de tabernas. Não creio que a razão da sua emoção fosse apenas a lembrança do seu namoro com o meu pai, mas a poderosa comoção que aquelas vozes saídas do fundo da terra lhe causavam. Comigo acontece o mesmo.
Sérgio Tréfaut
A projeção de Alentejo, Alentejo na Culturgest coincide com o lançamento dos CD e DVD do filme e responde ao desejo de muitas pessoas que não tiveram ainda a oportunidade de o ver em sala.