Alternate Translations, álbum lançado online em 2013 pela netlabel nacional Mimi Records, é, seguramente, dos mais bem guardados segredos da produção nacional dos últimos anos. Unindo a trompete de Luís Vicente, músico que tem vindo, paulatinamente, a mostrar um timbre distintivo por entre a extrema versatilidade dos seus múltiplos projetos (a improvisação conduzida dos Open Mind Ensemble, o free jazz do quarteto Clocks & Clouds, a livre improvisação não-idiomática do quinteto Fail Better! ou a abordagem mediterrânica do trio que lidera), aos dispositivos eletrónicos de Jari Marjamaki, músico e DJ finlandês com residência de há largos anos em Lisboa, Alternate Translations, composto inteiramente por gravações de concertos deste duo, é um objeto de quase-perfeição rarefeita, prenhe de uma noção de espaço e movimento notáveis, inspirador de uma dança quieta e fortemente melancólica. A palete sonora e construção rítmicas de Marjamaki revelam um labor e um cuidado que, curiosamente, tanto evoca as explorações orientadas para o cosmos de Jeff Mills como traz de volta à terra a luminosidade esconsa do notável trabalho do norte-americano Mark Nelson (quer nos Labradford quer nos sucessores Pan-American), enquanto o sopro de Luís Vicente empresta a esta música uma dimensão profundamente humana, lírica, que a espaços evoca vozes lendárias como as de Jon Hassell, Bill Dixon ou mesmo Don Cherry. Trata-se, reforçamos, de alguma da mais bela e inclassificável música da atualidade.
Numa altura em que a importância e o carácter visionário da obra de Luigi Russolo parecem vir a ser devidamente recuperadas e celebradas, a Nova Orquestra Futurista do Porto, projeto do Srosh Ensemble, constitui uma valiosa contribuição para o entendimento das deslumbrantes potencialidades abertas pelo "Intonarumori", instrumento emblemático (entre muitos outros) do trabalho do futurista italiano tido por muitos como o precursor do que viria a chamar-se noise music.
Agregando um grupo absolutamente notável de alguns dos mais interessantes exploradores sonoros e improvisadores da segunda cidade do país (como Gustavo Costa, Angelica Salvi ou Filipe Silva, entre outros), a NOFP coloca a uso uma série de instrumentos não convencionais, como motores, consolas de jogos, televisores, rádios ou laptops acústicos, procurando uma releitura atual da "Art of Noises" preconizada por Russolo num manifesto já centenário. O objeto estético que resulta deste trabalho, sendo marcado necessariamente por uma componente de imprevisibilidade e aleatoriedade, coordenadas fundamentais da visão que se preconiza e aqui se adapta, ressoa de uma forma admiravelmente orgânica, natural, numa paisagem sonora inescapavelmente humana, mesmo que traduzindo a aspiração contraditória de um domínio absoluto e de uma ultrapassagem da natureza por via da tecnologia.
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