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2015


CINEMA
O que é um acontecimento?
Encontros com os filmes de Trinh T. Minh-ha, Peter Huton, Larry Gottheim,
Hollis Frampton, Joyce Wieland e vídeos de Sérgio Taborda
destaque
A & B in Ontario · Filmstill, Arsenal – Institut für Film und Videokunst.e.V (pormenor)VER IMAGENS
QUA 25, QUI 26, SEX 27
DE MARÇO
Pequeno Auditório
3,50€ (preço único)
M12
Informações
21 790 51 55
culturgest.bilheteira@cgd.pt
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Conceção Sérgio Taborda

Qua 25 março, 21h30

Naked Spaces – Living is Round (1985), de Trinh T. Minh-ha

 

Qui 26 de março, 21h30

The Fourth Dimension (2001), de Trinh T. Minh-ha

 

Sex 27 de março, 18h30

Sequências 9 e 10 (2007/14), de Sérgio Taborda

 

Sex 27 de março, 21h30

In Titan's Goblet (1991), de Peter Hutton;
Landscape for Manon
(1988), de Peter Hutton;
Lodz Symphony
(1993), de Peter Hutton;
A & B in Ontario (1966/84), de Hollis Frampton e Joyce Wieland;
Fog line
(1970), de Larry Gottheim

 

A escolha dos filmes inseridos no segundo ciclo de filme e vídeo acolhido pela Culturgest (2014-2015) foi moldada pelos encontros que fui tendo com os filmes destes autores e construída com base nas afinidades e ressonâncias que encontrei entre o trabalho destes artistas que usam o filme e o meu próprio trabalho em vídeo.

O que se desenrola em diferentes níveis nos filmes com os quais fui tendo férteis encontros no decorrer da residência (enquanto artista/investigador), que tenho estado a realizar desde 2010 no arquivo do Arsenal (Institut für Film und Videokunst) em Berlim com uma bolsa de investigação individual da Fundação para a Ciência e Tecnologia, é uma certa abertura à contingência no interior de um acontecimento – a ocorrência inesperada – com uma duração particular que age sobre a nossa atenção.

O tempo do aparecer do acontecimento – de como as coisas nos aparecem, surgem, eclodem diante de nós – suscitada pela experiência de ver o modo como é captado e montado nestes filmes esteve na origem das escolhas que fiz e dos alinhamentos das três sessões que irão ser apresentadas.

 

 

Qua 25 de março, 21h30

Naked Spaces – Living is Round (1985), de Trinh T. Minh-ha

EUA, 16mm, 137', cor, sonoro, versão original em inglês (sem legendas)

 

Na primeira sessão do ciclo olharemos para o filme em 16mm de Trinh T. Minh-ha, Naked Spaces – Living is Round (1985), que contém em si um subtil questionamento dos seus próprios gestos e posturas enquanto olha e filma – quem é que olha para quem e de onde é que se olha – o quotidiano das comunidades de pessoas nos espaços onde habitam, vivem e trabalham em seis países africanos referidos no guião do filme pela ordem geográfica em que vão surgindo ao longo do itinerário percorrido pela autora: Senegal, Mauritânia, Togo, Mali, Burkina Faso e Benin.

Reproduzo uma nota de rodapé que se encontra no início do guião de Naked Spaces – Living is Round, realizado, fotografado, escrito e montado por Trinh T. Minh-ha onde se refere ao uso de três diferentes vozes que vamos ouvindo aqui e ali (em voz off) enquanto entramos no quotidiano dos lugares onde chega, seguindo-a nos seus movimentos de câmara, passando do exterior para o interior das casas circulares onde vai entrando:

"O texto foi escrito para três vozes femininas representadas aqui por três tipos diferentes de letras impressas. A voz grave, a única que pode soar assertiva, cita os comentários e os ditados dos habitantes da vila, bem como obras de escritores africanos. A voz de longo alcance dá testemunho da lógica ocidental e cita sobretudo os filósofos do Ocidente. A voz de médio alcance fala na primeira pessoa e relata sentimentos e observações pessoais. Nomes de países e de povos aparecem sob a forma de legendas no canto inferior de cada fotograma."

As três narradoras que ouvimos são Barbara Christian, Linda Peckham e a própria Trinh T. Minh-ha. É a primeira vez que este filme é exibido em Portugal no seu suporte original (16mm).

Trinh T. Minh-ha nasceu no Vietname, é realizadora, escritora e compositora.

O seu trabalho inclui filmes, instalações, escrita/livros, música/composição.

Entre 1977-80 lecionou no National Conservatory of Music em Dakar, Senegal.

Nos anos seguintes ensinou em várias universidades em diferentes países entre as quais: Cornell (EUA), San Francisco State (EUA), Harvard (EUA) Ochanomizu (Tóquio), Ritsumelkan (Kyoto), Dongguk (Seoul). Atualmente leciona Gender & Woman Studies e Rhetoric na Universidade da Califórnia, Berkeley.

 

 

Qui 26 de março, 21h30

The Fourth Dimension (2001), de Trinh T. Minh-ha
EUA, Betacam SP, 87', cor, sonoro, versão original em inglês (sem legendas)

 

Na segunda sessão olharemos para um outro filme de Trinh T. Minh-ha, filmado no Japão em contínuos travellings entre a janela do comboio e a travessia das cidades por onde passa, voltando a deixar emergir sobre as imagens uma subtil voz off (neste caso a da própria Trinh T.Minh-ha) como se escutássemos alguns dos seus pensamentos em voz alta.

Também aqui se trata de um encontro o de Trinh T. Minh-ha com um outro Japão ritualizado, que nos é dado a ver nas manifestações com que se cruza nas cidades por onde passa incluindo alguns festivais locais, rituais religiosos e performances teatrais inseridos no dia a dia dessas comunidades.

 

 

Sex 27 de março, 18h30

Sequência 9; Sequência 10 (2007/14), de Sérgio Taborda

Lisboa-Berlim, Edição e pós-produção Arturo Martínez Steele, vídeo mini-Dv, cor, sonoro, 60', v.o.

 

No início da última sessão terá lugar uma primeira apresentação de duas novas Sequências (9 e 10) que realizei em vídeo, editadas em Berlim com Arturo Martinez Steele em 2013-14.

 

 

Sex 27 de março, 21h30

In Titan's Goblet (1991), de Peter Hutton, EUA, 16mm, p/b, mudo, 10'

Landscape for Manon (1988), de Peter Hutton, EUA, 16mm, p/b, mudo, 13'

Lodz Symphony (1993), de Peter Hutton, EUA, 16mm, p/b, mudo, 20'

A & B in Ontario (1966/84), de Hollis Frampton e Joyce Wieland, EUA, 16mm, p/b, sonoro (sem diálogos), 16'

Fog line (1970), de Larry Gottheim, EUA, 16mm, cor, mudo, 11'

 

Na sessão da última noite encadeiam-se três filmes de Peter Hutton, um filme resultante de uma colaboração entre Hollis Frampton e Joyce Wieland e um filme de Larry Gottheim. As 'pontas' de película destes vários filmes em 16mm serão ligadas pelo projecionista sem cortes, pelo que iremos vê-los passando de uns a outros com este alinhamento intuído, sem intervalos, numa ininterrupta cadeia com a duração total de 70 minutos.

A postura que encontramos nos dois filmes de Trinh T. Minh-ha vistos anteriormente, abrindo um espaço ao filmar para deixar que os acontecimentos apareçam a seu tempo e nos seus tempos próprios, emerge a outros níveis nos filmes de Peter Hutton e de Larry Gottheim projetados nesta sessão.

Nascido em Detroit, Michigan, Peter Hutton estudou pintura, escultura e filme no San Francisco Art Institute. Ensinou nos departamentos de filme da CalArts (Los Angeles) na Harvard University, e em SUNY Purchase. Em maio de 2008 teve lugar no Museum of Modern Art, Nova Iorque, uma retrospetiva integral dos seus filmes. A partir de 1985 leciona no departamento de Film and Electronic Arts do Bard College, situado nas imediações do Rio Hudson (Annandale-on-Hudson) no estado de Nova Iorque. No primeiro ano letivo em que passou a lecionar no Bard College, Peter Hutton começou a explorar as margens do vale do Rio Hudson e realizou dois filmes que se relacionam com a pintura americana de paisagem do século XIX ligada ao vale do Rio Hudson (The Hudson River School of Painting), em particular com algumas das que foram pintadas por Thomas Cole. O titulo do filme de Peter Hutton com que começa esta última sessão do ciclo In Titan's Goblet, remete-nos para o título de uma pintura de Thomas Cole, The Titan's Goblet (1833, encontra-se no Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque), captando a preto e branco em planos fixos, entre outros acontecimentos, massas de nuvens a mexer em noites de lua cheia inserindo intervalos a negro entre cada plano.

A duração dos silenciosos planos do filme a preto e branco que se lhe segue, Landscape for Manon (1988) – foco de luz do sol irrompe por entre as nuvens incidindo num tronco de uma árvore 'fazendo-a aparecer' em tempo real, montanhas destapadas por aberturas de luz no horizonte, sequências de copas de árvores mexidas pelo vento – criam uma experiência meditativa da paisagem que evoca o que olhamos nalgumas pinturas de Thomas Cole das paisagens das montanhas de Catskills, entre as quais River in Catskills (1843) que se encontra no Museum of Fine Arts em Boston.

Em Lodz Symphony (1993), Peter Hutton deambula por Lodz tendo-me 'ficado' do que vi dele sobretudo o último plano, um dos planos mais escultóricos que já vi em cinema. Num outro momento desta sua deambulação por Lodz retive uma forte sequência de planos em que filma os movimentos de engenhos mecânicos produzindo industrialmente rolos de fios usados na indústria têxtil que teve uma certa expressão na história desta cidade polaca.

A & B in Ontario, 1966/84, o filme que se lhe segue resulta de uma colaboração entre Hollis Frampton e Joyce Wieland filmando-se mutuamente com câmaras à mão. Só 18 anos depois de ter sido filmado (1966-1984), e pouco depois de Hollis Frampton ter falecido (1984), é que Joyce Wieland viria a montá-lo descrevendo assim o modo como foi feito 'a dois': "Hollis e eu voltámos a Toronto em férias no verão de 67. Estávamos a ficar em casa de um amigo. Andámos a passear pela cidade e acabámos por chegar à ilha. Íamo-nos seguindo um ao outro. Divertimo-nos. Comentámos que íamos fazer um filme, um sobre o outro – e fizemos."

Joyce Wieland (1933-1998) nasceu em Toronto, Canadá, onde começou por ter uma formação em pintura e desenho assumindo um certo protagonismo em ações cívicas públicas e performances reivindicando questões de género, identidade, nacionalidade, inovadoras nesse contexto cultural. Realizou o seu primeiro filme em 1958 e em 1962 mudou-se para Nova Iorque, onde começou intensivamente a filmar em Super 8 e 16mm tornando-se juntamente com Hollis Frampton, Paul Sharits e Michael Snow (com quem casou e começou a viver em Nova Iorque) uma das fundadoras do movimento ligado ao surgimento do 'filme estrutural' (structural film).

Hollis Frampton (1936-1984) nasceu em Ohio em 1936. Depois de ter estudado entre 1954 e 1957 na Western Reserve University em Cleveland, Ohio, foi viver para Washington tornando-se aluno de Ezra Pound. Ao mudar-se para Nova Iorque conheceu Frank Stella e Carl André e começou a trabalhar em fotografia. Pouco depois surgem os seus trabalhos em filme entre os quais Zorn's Lemma. Em 1973 começou a ensinar na State University, Nova Iorque. As suas investigações sobre as particularidades do funcionamento da máquina do cinema encontram-se materializadas nas duas grandes séries que realizou em filme: Hapax Legonema (1971-1972 em sete partes) e a inacabada Magellan que atravessou a ultima década da sua vida.

O alinhamento desta sessão termina com o filme de Larry Gotheim, Fog line (1970), o primeiro trabalho seu que vi no arquivo do Arsenal e encontrei ao vê-lo ressonâncias várias com um dos primeiros trabalhos em vídeo que fiz intitulado Scanning (2003). Em Fog Line um plano fixo que dura 11 minutos capta uma paisagem coberta por um intenso nevoeiro que se destapa lentamente revelando em distintos momentos três árvores com copas baixas e largas a diferentes alturas distâncias e implantações no terreno em relação ao sítio de onde as vemos. Este terreno é atravessado por uns cabos de eletricidade que marcam a parte superior do horizonte do plano coberta de nevoeiro que vai 'abrindo' ao longo do tempo que a olhamos.

Em 1969 Gottheim e Ken Jacobs criaram o departamento de filme de Suny-Binghamton convidando em meados dos anos 70 autores como Peter Kubelka, Ernie Gher, Taka Limura e Nicholas Ray para aí realizarem workshops tornando-se nesse período de tempo pela qualidade da programação que propunha e pelas práticas dos autores residentes ou convidados que o frequentavam um dos mais inovadores departamentos de filme existentes nos EUA.

Sérgio Taborda

Berlim, Mucifal, julho/agosto/setembro, 2014.

 

 

Sérgio Taborda nasceu em 1958, Vila Nova de Poiares (Coimbra). Vive e trabalha em Berlim e Lisboa. Atualmente é artista/investigador residente no Arsenal (Institut für Film und Videokunst) em Berlim, onde vive e trabalha no âmbito de uma bolsa de investigação individual pós-doutoramento da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia (2010-2015).

The films for this second cycle were chosen as a result of the affinities and echoes that I found between the work of these artists and my own video work. The films, which I discovered during my research at the archives of the Arsenal (Institut für Film und Videokunst) in Berlin, demonstrate an openness to the contingency that lies inside an event (the unexpected happening) with a duration that acts upon our attention. The time things take to appear before us, as captured and put together in these films, lay at the origin of my choices for these three sessions. (Sérgio Taborda)