Foi Camões a inventar em Os Lusíadas a expressão "máquina do mundo". Ela apresenta-se através do relato profético – cosmorama e geodese, feitos e desastres dos portugueses, o desconhecido que espera os descobridores – de uma deusa ao jovem capitão Vasco da Gama. Quatro séculos mais tarde, Carlos Drummond de Andrade escreveu um poema em tercinas intitulado precisamente A Máquina do Mundo. Aqui, não há mediações, a máquina entreabre-se numa estrada de minas, pedregosa, ao olhar desalentado do poeta, que a vê fechar-se para não mais. Já no século XXI, Haroldo de Campos compõe também em tercinas, mas rimadas à maneira de Dante, o poema A Máquina do Mundo Repensada, no qual se exercita uma rememoração de Camões, Drummond de Andrade, sob a égide da viagem da Divina Comedia. Regressamos à mediação e ao maravilhamento saturnino. A leitura dos versos dos quatro poetas tem em vista desenhar um inquérito sobre o que seja a máquina do mundo: talvez um nome para o segredo da vida.
Pediremos ajuda a outros poetas e também àquilo que alguns filósofos contam (seguindo o preceito de Montaigne: "je n'enseigne pas, je raconte"), e ainda às coisas ouvidas, vistas e lembradas que vêm ter connosco no dia a dia, confiando no acaso sem o qual (de novo Montaigne) nada de nobre se pode fazer. O momento é de perigo – caminhamos na selva oscura de Dante – e talvez seja a hora de um balanço.
Maria Filomena Molder
31 de janeiro
"ao bravo gama a máquina oferta / do mundo" *
7 de fevereiro
"drummond minas pesando não cedeu" *
14 de fevereiro
"dante com trinta e cinco eu com setenta—" *
21 de fevereiro
"Agora, nós"
* Versos de A Máquina do Mundo Repensada de Haroldo de Campos, 2000.