Depois de uma sequência de discos nos quais a guitarra se constituía como elemento exclusivo, meditativo e mediador na forma como moldava o silêncio e a ausência (conferir o belíssimo Heavy Mental, por exemplo), Vítor Rua regressou no final de 2017 com um álbum duplo cujo título desvenda desde logo o novo rumo tomado (Do androids dream of Electric Guitars?). A guitarra é, novamente, a voz principal, quer nas versões solo quer nas interpretações do grupo que constituiu para o acompanhar (Hernâni Faustino no baixo, Paulo Galão nos clarinetes, Nuno Reis na trompete, Luís San Payo na bateria e Manuel Guimarães no piano – os Metaphysical Angels) e que subirá ao palco na garagem da Culturgest, mas a este quasi-maximalismo de meios não corresponde necessariamente uma música de sobreposições ou de volumes exacerbados, antes uma circularidade de movimentos aparentados dos vários jazzes – com curiosas reminiscências de um certo som de Chicago na década de 1990 que ajudou a cunhar uma das linhagens do que veio a chamar-se post-rock – precisamente aquela que unia a escola jazzística com as várias linguagens da improvisação não-idiomática e da composição contemporânea. Uma surpresa, vinda de um músico que constantemente se reinventa.
Lançado nos primeiros meses de 2017, Lo-fi Expeditions é um dos objetos discográficos mais inesperados e inclassificáveis do ano que celebramos. Unindo dois produtores (Marco Guerra aka Citizen:kane e Zé Diogo Mateus aka Hobo) que celebram as fontes sonoras sintéticas como matéria-prima dançável (e que gravitam ambos em volta do trabalho persistente e meritório da promotora e editora Fungo), esta colaboração resulta numa música alienígena, fascinante e mais indicada para a contemplação extática (e estática) do que para as pistas de dança. Pontos de contacto, se os há, poder-se-ão encontrar no trabalho mais abstrato e de temática interplanetária de Jeff Mills, curiosamente ou talvez não um músico (um mestre!) que do dancefloor se "lançou" para o espaço sideral.
Daniel Neves aka Mmmooonnnooo é um dos nomes emergentes de uma Lisboa cuja riqueza nos mais diversos extremos e fronteiras da criação "sem género" deve, definitivamente, ser objeto para um estudo aprofundado. O músico é autor de uma eletrónica que deixa transparecer a sua educação "metaleira" – ambiental, hipnótica, mas sempre sustentada por uma base rítmica crua e assertiva – validada e aprimorada pela residência na Red Bull Music Academy de Tóquio que efetuou em 2015, e ampliada na sua dimensão colaborativa em vários encontros ao vivo com outros nomes da nova geração lisboeta (como Polido ou OWWK). O seu percurso, curto mas rico, atinge no entanto o seu zénite no cruzamento com um dos músicos e bateristas marcantes de uma geração-chave em todas estas movimentações atuais – Joaquim Albergaria – que com o seu músculo distintivo oferece uma propulsão rítmica única que transporta esta eletrónica rugosa e desafiante para uma dimensão física e psíquica simultaneamente subterrâneas e estratosféricas.