O duo EITR é um dos projetos com maior longevidade no seio da riquíssima "cena" de jazz e música improvisada de Lisboa, ainda que o número de edições ou aparições públicas não o faça parecer. Unindo Pedro Lopes, originalíssimo giradisquista radicado em Berlim, ao saxofonista Pedro Sousa, nome que cada vez mais dispensa apresentações tal é o alcance, volume e qualidade do seu trabalho junto dos vários jazzmen nacionais e internacionais de relevo nos últimos anos, a música dos EITR é um OBJETO vivo, em permanente mutação, movendo-se entre as linguagens que mais facilmente reconhecemos como eletrónica, como ambient ou como jazz sem, todavia, se fixar num patamar que permita a catalogação. Após integrarem, merecidamente, o cartaz do último Jazz em Agosto, apresentam-se neste Rescaldo fiéis à sua inclassificabilidade, com a presença do prodigioso baterista e percussionista Gabriel Ferrandini a prometer ainda mais territórios por cartografar e mais interações tímbricas e rítmicas inusitadas e inexploradas por revelar.
Afonso Ferreira é um dos músicos e agentes culturais de uma novíssima geração de agitadores na capital, quer enquanto promotor ligado à editora Alienação (cujo trabalho tem vindo a ser fulgurante e meritório na promoção de uma certa eletrónica paisagista mas inquieta), quer enquanto figura tutelar do projeto Farwarmth, cujo percurso ao longo do último ano conheceu uma série de pontos altos, com concertos marcantes no Festival Múltiplo ou na Galeria Zé dos Bois (na primeira parte de Kara-Lis Coverdale), entre muitos outros. O álbum Beneath the Pulse, de finais de 2016, constitui um primeiro e rico capítulo numa música cujas texturas declaradamente digitais (ainda que várias das fontes sonoras tenham proveniência acústica) deixam transparecer um desejo de organicidade, luminosidade e revelação bucólica que parece apontar a direção dos seus caminhos futuros.
Uma colaboração inédita e, no mínimo, imprevisível entre dois altos representantes da contemporaneidade criativa na cidade do Porto, e um concerto no qual, adivinhamos, o conceito de "espaço" desempenhará um papel fundamental. Se, por um lado, a música dos 10.000 Russos – trio cuja justíssima afirmação a nível nacional e internacional (mais de uma centena de concertos pela Europa, no ano que passou) tem sido fulgurante –, opera numa relação aparentemente contraditória entre a claustrofobia e a expansividade e entre o pendor noir associado ao post-punk e a explosão de cor aparente do psicadelismo, já as criações do compositor Jonathan Uliel Saldanha se assumem como celebrações da arquitetura física e emocional dos locais e da memória, evidentes nos vários trabalhos comissionados que tem vindo a desenvolver com coros de várias dezenas de membros, em espaços performativos inusitados e plenos de história. Trata-se, então, de um encontro entre músicos que trabalham a espacialização do som de formas muito diferentes (com movimentos "de dentro para fora", num caso, e de "fora para dentro", no outro), e entre correntes aparentemente tão díspares como a metronomia do rock e as pontas soltas do dub. Uma colaboração, como dissemos, inédita, imprevisível e certamente surpreendente. A não perder por razão alguma.