No dia 2 de Outubro de 2008, dia do meu aniversário, sentia-me mal, estava fodida com o passar do tempo, e já tinha plena consciência de que tinha perdido tudo o que amava ou tinha amado. Estava assustada, furiosa e triste. Tinha praticamente deixado de ler e escrever. Nesse mesmo dia,
2 de Outubro, inscrevi-me num ginásio, o lugar da força e da resistência, em busca de um tipo qualquer de contradição ou alívio. E ali começou La casa de la fuerza. Descobri que a extenuação física me ajudava a suportar a derrota espiritual. Esgotava-me. Eram exercícios de preparação para a solidão. [...]
Um dia em que estava a escrever na cinemateca, o auto-engano das três irmãs de Tchékhov retumbou como uma estalada sideral. “É preciso trabalhar”, dizia Irina, “É preciso trabalhar”. O trabalho revelava-se como uma forma de aniquilação. Para além disso, a segunda viagem ao México foi definitiva. Com efeito, ali até o comentário mais banal culmina em acção. Do mesmo modo que as piadas de judeus culminam em Auschwitz, as rotinas de desprezo pela mulher culminam no feminicídio. A humilhação quotidiana culmina nas mortas de Ciudad Juárez, Chihuahua, e em leis deterioradas pela misoginia. [...]
Angélica Liddell
Angélica Liddell fundou em 1993 Atra Bilis Teatro, com a qual montou, entre muitos outros, os espectáculos Hysteria Passio (2003), Y los peces salieron a combatir contra los hombres (2003), El año de Ricardo (2005), Perro muerto en tintorería: los fuertes (2007) e Te haré invencible con mi derrota (2009). É presença regular no festival Citemor. Vem pela primeira vez a Lisboa com o espectáculo que marcou o Festival de Outono de Madrid 2009 e Avignon 2010.
Cinco horas [...] trabalhadas até à exasperação por uma vontade furiosa de compreender porque é que tudo corre tão mal.
Brigitte Salino, Le Monde, 13 de Julho de 2010
Há em Angélica Liddell qualquer coisa da penitente e mais ainda da carpideira antiga. E pode ver-se La casa de la fuerza como uma cerimónia às mortas, um ritual cuidadosamente orquestrado para arcar com a infelicidade do mundo, um modo de reabrir as feridas antes de eventualmente voltar a fechá-las.
René Solis, Libération, 12 de Julho de 2010