Sylvain Creuzevault e os seus camaradas regressam a Lisboa e à Culturgest depois de Notre terreur (um dos melhores espetáculos de 2010 para o Público). À Revolução Francesa seguem-se as estruturas secretas do modo de produção capitalista que orquestram os cantos harmoniosos e desarmónicos da nossa vida social, tendo por intermediário o mui shakespeariano Karl Marx e a sua ópera de crítica e inteligência, O Capital. Será Inferno, será Paraíso? Garantiram-nos que será uma Difícil Comédia.
Quem não sonhou com O Capital? Quem não teve com ele pesadelos? Texto dolorosamente elaborado e inacabado, fruto de um trabalho extraordinário, editado em 1867, canto inaugural das consciências proletárias e dos combates socialistas revolucionários – manual de método crítico desenfreado para uns, para outros bom para os caixotes do lixo da História; na verdade muito pouco conhecido pela maior parte das novas gerações. Aqui, O Capital é um nó a desfazer. Desvios da imaginação, escrita difícil, colocação em situação de categorias teóricas, transformação da crítica em teatro, exigência da paixão, mas também exercício do humor negro. Diz Creuzevault: "Não se tratará de sonhos, nem de utopia; e quanto ao teatro político é como a relação sexual, também não vai haver! Vai ser uma comédia, pura, dura." E isto com as monstruosidades inconcebíveis de que é capaz o vampiro mundial na sua força histórica.
Vamos reencontrá-los, a sua palavra é franca, têm bom humor e as suas mulheres são muito belas.
À primeira vista, uma mercadoria parece uma coisa trivial e que se compreende por si mesma. Constata-se ao analisá-la que é uma coisa extremamente complicada, cheia de subtilezas metafísicas e de caprichos teológicos. (...) A mesa continua a ser madeira, coisa sensível vulgar. Mas a partir do momento em que entra em cena como mercadoria, transforma-se numa coisa sensível suprassensível. Não se limita a ficar levantada com os pés no chão, mas põe-se de cabeça para baixo, face a todas as outras mercadorias, e tira da sua cabecinha de madeira toda uma série de quimeras que nos surpreendem ainda mais do que se, sem perguntar a ninguém, se pusesse de repente a dançar.
Karl Marx, O Capital, Livro I, capítulo 1.