O Institute of Ideas criou, desde 2000, um fórum para
debate público sobre temas sociais complexos. Uma das suas iniciativas
é um festival de dois dias, Battle of Ideas, que todos os anos se realiza
em Londres em finais de Outubro.
Paralelamente o Instituto organiza Eventos Satélite em várias cidades
do Reino Unido, de países europeus e da Índia e em Nova Iorque.
O ano passado, aqui na Culturgest, organizou-se um desses eventos. O tema
em debate foi “
Afinal
para que serve a arte?” Este ano vamos debater o tema “Sobre
que é o teatro?”, introduzido por:
Angus Kennedy, responsável pelas relações externas do Institute of Ideas,
participante frequente na Battle of Ideas, um dos oradores do ano passado;
Luis Miguel Cintra, actor, encenador, fundador e director do Teatro da
Cornucópia, Prémio Pessoa 2005, para além de muitas outras distinções,
uma personalidade maior da cultura portuguesa;
José Maria Vieira Mendes, dramaturgo diversas vezes premiado, tradutor,
colaborador dos Artistas Unidos, membro do Teatro Praga;
Francisco Frazão, programador de teatro da Culturgest, colaborou com os
Artistas Unidos, tradutor, publicou artigos sobre teatro, cinema e literatura.
O debate, que se estende ao público, é moderado por Tiffany Jenkins, socióloga,
comentadora cultural, Arts and Society Director do Institute of Ideas.
Sobre que é o teatro?
“Como é que o teatro pode interromper o curso de um rio num vale
profundo de modo a armazenar toda a água num reservatório, que pode
depois ser usada para hidro-electricidade ou para irrigação?” Ao que
a resposta sensata é: Para isso é melhor usar um dique, não o teatro.
Andrew Haydon, crítico britânico · postcardsfromthegods.blogspot.com
Será que os criadores e instituições teatrais, bem como as entidades
de financiamento das artes, devem ser mais realistas sobre o que o teatro
pode ou não alcançar? É verdade que o teatro tem tomado para si algumas
tarefas hercúleas ao longo da História. Da Grécia antiga ao Romantismo
alemão, o teatro era suposto desempenhar um papel cívico fundamental
na coesão das comunidades. Dramaturgos modernos como Brecht e Ibsen
tentaram mais tarde reflectir, criticar e alterar ideias dominantes
e estados de coisas. E nos palcos britânicos, nos últimos anos, os criadores
procuraram lidar com a ganância empresarial, o racismo, as alterações
climáticas e o bullying escolar. Deve esta abordagem ambiciosa
ser imitada em Portugal e noutros lugares? Teremos todos de adoptar
a crença inquebrantável dos autores e encenadores britânicos de que
o teatro “sobre” tais assuntos pode fazer a diferença? Ao não fazê-lo,
não estaremos a deixar ficar mal os nossos concidadãos? Ou não passará
este tipo de teatro de um repositório ingénuo de boas intenções que
nada mudam no mundo real? Devem os dramaturgos com objectivos sociais
e políticos tentar atingi-los fora dos palcos em vez de os infligir
ao público no teatro?
Há quem desconfie de um teatro que coloca o conteúdo intelectual à
frente da forma artística, vendo-o como teatralmente impuro, especialmente
quando esse conteúdo é uma mensagem política que pode por vezes reduzir
o teatro à crua agitprop. Para além disso, grande parte do teatro político
é previsivelmente de esquerda ou progressista, reafirmando em vez de
desafiar os pontos de vista do típico público de teatro. Não caberá
ao teatro abordar ideias de uma perspectiva diferente e incitar as pessoas
a ver as coisas a uma luz nova? Muitas vezes deixa-se aos textos dos
encenadores nos programas, aos comunicados de imprensa e às críticas
a tarefa de tornar explícito o que no espectáculo fica apenas implícito.
Mas quem decide aquilo “sobre” que uma peça é ou deixa de ser? E não
será apenas uma doce ilusão a tentativa de prever as consequências políticas
de uma obra teatral? A auto-reflexividade parece uma receita certa para
evitar a política, mas não deve o teatro mudar-se a si mesmo para poder
mudar o mundo? Ou será possível, seguindo a proposta de George Costanza
para uma série de televisão em Seinfeld, imaginar um espectáculo
sobre nada?
The Institute of Ideas set up a forum for the public
debate of complex social themes in 2000. One of its initiatives is a two-day
festival, the Battle of Ideas, held every year in late October. In parallel
to this festival, the Institute organises Satellite Events in various
cities all around the world.
One of these events was held last year, here at Culturgest, to discuss
the theme “Just what are the arts good for?” This year’s theme for discussion
is “What is theatre about?” introduced by Angus Kennedy, Luis Miguel Cintra,
José Maria Vieira Mendes and Francisco Frazão.
The debate, which is open to the public, will be chaired by Tiffany Jenkins.
What is theatre about?
Should theatre-makers, organisations and arts funding bodies be more realistic
about what the artform can and cannot achieve? On the British stage in
recent years, theatre-makers have attempted to address corporate greed,
racism, climate change and school bullying. Is this ambitious approach
something to be emulated in Portugal and elsewhere? Or is this strand
of theatre just a naïve repository of good intentions that changes nothing
in the real world? Sometimes it is left to directors’ notes, press releases
and reviews to make explicit what has been left implicit in the show itself.
But who decides what a play is or isn’t ‘about’? Is it any more than wishful
thinking to try to predict the political effects of theatre-making? And
is it possible, following George Costanza’s TV pitch in Seinfeld,
to imagine a show about nothing?