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DERIVAS 2006 – 2008

Rock 2007:

o ano das re/uniões (I)

2 de Janeiro de 2008 – por Augusto M. Seabra

A cena ocorreu em Lisboa, no Pavilhão Atlântico, a 16 de Maio passado. No início de uma digressão europeia marcando o seu regresso, os The Who, os dois elementos que deles restam, Pete Townshend e Roger Daltrey, com novos comparsas, entre os quais, na bateria, Zak Starkey, filho de outro famoso baterista, Ringo Star, pois os The Who lá inevitavelmente (?) tocaram o seu famoso hino, My Generation, hino que foi deles e dos mods ingleses: “Yeah, I hope I die before I get old (Talkin' 'bout my generation)/ This is my generation/ This is my generation, baby”. My Generation é um tema de 1965, Pete Townshend tem 65 anos (completados três dias depois desse concerto) e Roger Daltrey 63. Sexagenários a cantarem “I hope I die before I get old”? A nostalgia teve sempre algo de patético.

Mas para além dessa concreta cena, a lista das bandas pop/rock que se voltaram a reunir no decurso de 2007 é tão longa e variada, que o fenómeno, melhor dito a tendência, suscita bem mais séria consideração. Senão vejamos: Stooges com Iggy Pop, Rage Against the Machine, Pixies, Jesus & Mary Chain, Gang of Four, Smashing Pumpkins, Eagles, Van Halem, Black Sabbath, Sex Pistols (por uma noite, celebrando o 30.º aniversário do álbum Never Mind The Bollocks, Here's The Sex Pistols), Genesis versão 2, a de Phil Collins, Spice Girls, Duran-Duran, culminando nos Police e no logo por alguns designado “concerto do século”, o dos Led Zeppelin na 02 Arena de Londres (o ex-Millenium Dome), em homenagem a Ahmet Ergun, o falecido manager da Atlantic, a editora do grupo – e tendo no lugar do também falecido baterista John Bonham, o seu filho Jason (será que há um caso de linhagens particulares de pais em filhos no que concerne a bateristas?).

É caso para dizer que à chamada só faltaram os Smiths, mas quanto a esses a separação de caminhos parece mesmo irremediável (note-se bem que “parece”, porque também para muito dos citados que se voltaram a reunir “parecia”), tanto mais agora quando, depois de um Elvis Costello e um Sting terem publicado discos na Deutsche Grammophon, foi a vez de Morissey assinar mesmo contrato com uma editora “clássica”, a Decca.

Entretanto os Rolling Stones retomaram após uma pausa de um ano a digressão Bigger Bang iniciada em 2005 e fizeram questão de desmentir categoricamente que fosse a última, “rumor” todavia surgido de um simples cálculo: a haver ainda próxima “tournée”, Mick Jagger e Keith Richards estarão à beira dos 70 anos!

Em toda esta extensa lista existem como é óbvio casos muito diferentes. Um mero produto, como as Spice Girls, cujo regresso aliás não teve sucesso particular, antes pelo contrário, nada tem a ver com sobreviventes do punk e de radicalismos como os Stooges, os Rage Against the Machine ou os Pixies.

Por outro lado, para considerar seriamente as coisas, é preferível não cair na tentação fácil e altiva de apontar o motivo monetário.

Questões financeiras, e consideráveis, há por exemplo no que concerne aos “filantrópicos” e militantes de “causas humanitárias” U2, agora também polémicos investidores imobiliários, e que, sendo símbolos nacionais da Irlanda no entanto optaram por transferir-se fiscalmente para a Holanda. Mas Sting, Andy Summers e Stewart Copeland tinham todos carreiras a solo suficientemente bem sucedidas para terem nenhuma especial pressão para se voltarem a reunir.

Um comentador de televisão num jornal diário, que obviamente ficou como sempre frente à televisão e não foi ao concerto dos Police no Estádio Nacional a 25 de Setembro, registou agastado que o evento foi coberto quase como se fossem os Beatles que se tivessem voltado a reunir. Por acaso, e na óbvia impossibilidade disso acontecer, foi mesmo o exemplo mais próximo, já que justamente era inimaginável que após 24 anos o trio se voltasse a juntar, cada um tendo seguido caminhos tão próprios: Copeland, que foi de facto o fundador do grupo, e musicalmente o elemento mais sólido, assinou notáveis bandas sonoras, nomeadamente para Rumble Fish de Francis Coppola, Riff-Raff e Raining Stones de Ken Loach ou Talk Radio de Oliver Stone, Andy Summers tem seguido uma distintiva carreira a solo e trabalhado nas áreas do jazz e da “fusão” nomeadamente com músicos como Herbie Hancock e Robert Fripp, e Sting tinha realizado recentemente um disco consagrado ao grande compositor maneirista inglês John Dowland, trabalho bem mais sério que, por exemplo, o álbum que uma Anne Sofie von Otter dedicou às canções dos Abba, programa com o qual a cantora sueca até veio abrir a temporada 2005/06 da Gulbenkian.

Será então caso de falar de “nostalgia”? Por certo também sim, sendo contudo que a tendência se revelou tão insistente que suscita algumas interrogações mais de fundo.