A nomeação de Nicolas Joël para a Ópera Nacional de Paris não foi caso isolado, e até para a compreender nas vicissitudes de um elenco e de vontades de tutela, importa conhecer as outras. Remontando a um caso que em Abril/Maio passado foi largamente noticiado e discutido internacionalmente: o “affaire Handke”, quando o administrador da Comédie Française, Marcel Bozonnet, tomou a exorbitante decisão de retirar a anunciada programação de “O Jogo das Perguntas” do dramaturgo austríaco, dada a defesa que aquele fizera de Milosevic.
Em si mesmo lamentável, a decisão também o era, secundariamente, porque cedo se tornou claro que podia comprometer o futuro no “Français” de um administrador que reconhecidamente renovara a instituição – o ministro não escondeu o seu incómodo.
E assim foi, com a surpreendente nomeação de Muriel Mayette, logo após ter sido divulgado um estudo sobre a escassa presença de mulheres em postos de dirigentes de teatro em França. Depois, ainda mais surpreendente, ou dito de outro modo, de todo política stricto senso, foi a nomeação do actor Jacques Martial para La Villette; o nomeado não tem experiência de gestão nem curriculum cultural assinalável senão dirigir La Compagnie de La Comédie Noir e sobretudo ser reconhecido como actor televisivo, ser um “noir”, natural de Guadalupe e, característica especialmente salientada pelo ministério, ser animador do colectivo “Egalité”, consagrado a promover as “minorias visíveis” – isto é, após uma mulher no “Français”, alguém que corresponde à nova faceta tricolor “blanc-black-beur”, mas nomeado para um equipamento, La Villette, que é um pólo de tecnologia, Parc des Sciences et des Industries. E, enfim, houve, esse particularmente polémico, o caso do Odéon, Théâtre d’Europe.
Após 11 anos, Georges Lavaudant declarou desejar um derradeiro mandato. Entretanto Stéphane Braunschweig, director do Théâtre National de Strasbourg (de quem recentemente vimos na Culturgest a encenação de “Vestir os Nus” de Pirandello e de quem muito em breve veremos, programado pelo São Carlos em co-produção com o CCB, no Grande Auditório deste, uma admirável encenação do “Wozzeck” de Berg), declarou não pretender novo mandato naquele posto, ser antes postulante ao Odéon, para o qual apresentou mesmo um projecto – tanto melhor se, mesmo que não formais, estes actos de candidaturas são públicos.
Pois, para surpresa e estupefacção, o escolhido foi afinal Olivier Py, que fizera saber do seu interesse por Strasbourg, pelo Festival d’Avignon ou pelo Théâtre National de la Colline, mas não pelo Odéon. Olivier Py, que tendo 40 anos, e sendo um multifacetado e espampanante inventor de uma variedade de actos teatrais, encaixa no perfil de “modernização” política destas nomeações (nas quais para a Ópera caberia justamente Laurent Bayle, Nicolas Joël sendo afinal a contra-corrente), com o enorme risco de ser discricionariamente político e possibilitador de sérios problemas ao funcionamento e reconhecimento público das instituições culturais e dos objectivos concretos.
A propósito do Odéon, a 18 de Dezembro a ex-ministra socialista Catherine Tasca publicou, no Libération, um texto, “Le théâtre public mérite plus de respect”, ao qual de resto só pontualmente Donnedieu de Vabres conseguiu responder, texto esse, que até pela experiência própria da signatária, tem alguns tópicos de reflexão importantes.
“O exercício do poder de nomeação é certamente um dos mais gratificantes para um ministro, mas é também dos mais difíceis de exercer. Um ministro deve, tanto quanto possível, explicar e justificar a sua escolha aos cidadãos. Mas sobretudo deve conciliar o interesse geral, o do empreendimento artístico e o respeito pelas pessoas que são por eles responsáveis, assim como as respectivas equipas”. Tasca não apenas censurou asperamente a não-renovação de alguém com o curriculum e sobretudo com o trabalho desempenhado no Odéon como Lavaudant, considerou mesmo destabilizador e grave que a valsa das nomeações seja declarada com temporadas em curso – mas isto é dito por alguém que sabe do que fala, que tem uma larga experiência, tendo sido uma reputada gestora cultural antes de ser ministra.
O conjunto destas nomeações “internas” francesas é revelador de alguns modos de exercício do poder político de nomeação, desde a que mais directamente remete para a alegoria do paradigma do Príncipe àquelas que, apontando motivações renovadoras, buscam uma legitimação política de facto exterior à prestação de serviço dos equipamentos culturais públicos – e inclusive de espalhafato e de cedência a um outro populismo de sabor multicultural. E o conjunto destas nomeações não deixa também de ser revelador de como nalguns mais importantes aparatos institucionais as mudanças têm de ser necessariamente pensadas a prazo, e que se há outros casos de maior “precipitação”, à tutela de nomeação é assacada a irresponsabilidade de destabilização de temporadas em cursos.
Quaisquer semelhanças com outros países em que o modelo francês é influente ao nível da configuração das tutelas e dos próprios equipamentos poderão não ser obviamente meras coincidências.