A nomeação de um director de ópera – do director daquele que é por tradição, influência e peso institucional, um teatro nacional de ópera – é sempre um acto indicativo de vontades, modos e políticas culturais, senão mesmo acto político stricto senso, quiçá até aos mais altos níveis do Estado.
A 3 de Dezembro passado, o ministro da Cultura francês, Rennaud Donnedieu de Vabres, anunciou a nomeação de Nicolas Joël, encenador e desde 1990 director artístico do Théâtre du Capitole de Toulouse, para suceder a Gérard Mortier, atingido pelo limite de idade, como novo director da Opéra National de Paris, a partir da temporada 2009/10.
Tal como em 2001 o indigitado Mortier se tornara director-delegado junto de Hughes Gall, começando um processo de transição só concluído quando, já director pleno, se iniciou a primeira temporada da sua inteira responsabilidade, a de 2004/05, assim também com Joël irá ocorrer uma transição que à primeira vista se diria mesmo extraordinariamente longa, de três anos. Esse é, contudo, um prazo que corresponde às necessidades de planeamento de produção e de delineamento de políticas de programação de um espectáculo tão complexo como a ópera, e de um aparato cultural e institucional também ele tão eminentemente complexo como a Ópera de Paris – e com isso, também, das plenas responsabilidades públicas que podem ser exigidas a um director de teatro.
O exemplo é suficientemente relevante para não ser notado, como o também será o “não-facto” de, ainda que Gérard Mortier, pelo seu trabalho primeiro no La Monnaie de Bruxelas e depois e sobretudo no Festival de Salzburgo, seja o director artístico mais carismático e marcante das últimas duas décadas, está evidentemente sujeito, como qualquer cidadão, à lei geral, no caso ao limite de idade aos 65 anos – o mandato apenas tendo sido prorrogado por alguns poucos meses, a fim da mudança de direcção não se processar no decorrer da temporada 2008/09. Mesmo no país por excelência de tradição “peticionária” e mesmo para com uma figura tão relevante, não ocorreria por certo a ninguém lançar um movimento mais ou mesmo de “notáveis” em prol de uma prorrogação, para além do quadro geral, do mandato de Mortier.
Como se deduz do exemplo da nomeação de Nicolas Joël com quase três anos de antecedência, a responsabilidade da tutela, no âmbito da sua própria legitimidade política, é ainda assim a de intervir tendo em conta que o regular funcionamento das instituições culturais públicas não deve ser afectado por decisões directamente da esfera do político, e que essas decisões se tomam dentro de quadros estatutários e legais e tempos ditados pela própria complexidade das matérias do espectáculo.
Salvo em situações absolutamente excepcionais, que em princípio são de um modo ou de outro a de crise declarada na própria instituição, a nenhum governante da cultura responsável, e que responsavelmente esteja ciente do que é a esfera de competências e decisões e os limites da arbitrariedade no exercício do seu legítimo poder de governação, a nenhum governante da cultura responsável deverá ocorrer, supõe-se, precipitar alterações na estrutura e nos quadros directivos de equipamentos públicos como teatros nacionais de ópera ou congéneres, sob pena de perturbar o fundamental, que é a própria prestação de uma possibilidade de serviço público, de serviço ao(s) público(s).
O entendimento acima exposto é aquele que corresponde ao que se usa dizer como “regular funcionamento das instituições”. Há no entanto um outro e necessário ângulo de abordagem, respeitante aos modos de exercícios do poder de tutela e do seu âmbito discricionário, do que mesmo no quadro das políticas culturais públicas de uma democracia é designável, enquanto alegoria, por permanência do “paradigma do Príncipe”, usualmente tão sensível no caso da ópera.